sexta-feira, 6 de junho de 2014

Pequenos gestos

…fazem a diferença. Em tese, todos sabem disso. Mas precisamos de ideias práticas que nos demonstrem. O grande problema é que as pessoas tendem a menosprezar os pequenos gestos que causam pequenas mudanças. Há um consenso (e consensos são sempre um perigo) de que estes gestos não valem a pena e até mesmo de que eles seriam um desfoque das coisas que realmente importam. Em primeiro lugar, mas sem querer me perder muito nisso, nada importa realmente, nada vale a pena. Sei, é um ponto de vista um pouco niilista, mas a verdade é que atribuímos importância às coisas conforme aprendemos a fazê-lo; sua vida, as coisas que você faz e você não são mais importantes do que tudo o mais no mundo. Em segundo lugar, nada é realmente uma distração se você tiver em mente o seguinte: nada te impede de fazer várias coisas, desde que nenhuma delas dispenda muita energia. Assim, é mais provável que as coisas que você julga importantes, e que consomem sua energia, sejam de fato uma distração para as coisas (que você julga) pequenas. Então muitas pessoas falam da importância das coisas como desculpa para não agir; provavelmente porque não lhes interessa, porque são egoístas demais para isso. Acham-se importantes.

Agora vamos ao que interessa, a questão prática que me motivou a escrever este artigo. Quero dizer, ideias. Quem ainda não descobriu, está prestes a descobrir que sou um defensor do laicismo. (Acabou de fazê-lo.) E uma das coisas que um tipo assim não gosta é da frase “Deus seja louvado” nas cédulas de real. É uma estória muito antiga que o Estado argumenta como tradição. Claro que não faz o menor sentido falar em tradição quando o assunto é dinheiro. Dinheiro não é pra ter tradição. Por isso comecei a por em prática uma ideia muito simples. Estou rasurando os papéis-moeda. Estou rabiscando, à caneta (preta, preferência minha), a frase de cunho religioso das cédulas, e escrevendo “LAICISMO” acima da frase. Muitos podem entender isto como imaturidade minha numa primeira leitura. (Aliás, é muito comum as pessoas admitirem como imaturidade qualquer gesto de contracultura; vide falácia.) Mas eu tenho dois argumentos. O primeiro é o quanto o Estado gasta para repor cédulas rasuradas. Já pesquisei isto e não vou pesquisar de novo só para por um link aqui para aumentar a confiabilidade do artigo; a informação presente no artigo se mantém confiável sob a premissa de que o leitor é capaz de pesquisar por conta própria. O problema com relação à rasura de papéis-moeda é que a maioria rasura simpatias ou obras de arte nas cédulas. Isto, sim, vejo como imaturidade. Se pessoas parassem de rasurar simpatias e arte, e (mais pessoas) passassem a rasurar a frase religiosa das cédulas, a reposição destas seria ainda mais onerosa e o Estado poderia remover a frase para reduzir custos.

O segundo argumento é que papéis-moeda são ótimo veículo de informação. Abrindo parênteses para um bom exemplo, tenho dois amigos, um que faz faculdade de história e outro que faz geografia, que me falaram de seus trabalhos sobre um século de uso do papel-moeda como propaganda da capital. As cédulas eram ilustradas por paisagens da capital que, na época, era o Rio de Janeiro. As ilustrações eram de um tal Marc Ferrez. E foi um sucesso: logo pessoas do país inteiro passaram a migrar para a capital achando que a vida aqui era boa. E é assim até hoje, mesmo tendo o Rio deixado de ser capital federal. Claro que os trabalhos que eles escreveram vão muito além disso, pontuando detalhes de como as ilustrações tiveram efeito no que os pesquisadores da área de humanas chamam de mentalidade coletiva (e que eu curto chamar de ignomínia coletiva). Ao menos hoje, fazer propaganda em cédulas é crime. E talvez a minha ideia não alcance o país inteiro. Mas vejo grandes chances de alcançar pelo menos uma cidade. E todo este segundo argumento mostra também um segundo objetivo da ideia: conscientização. Dinheiro é algo que chega até aos mais pobres e menos instruídos, que ficariam curiosos ao ver a palavra “LAICISMO” escrita nas cédulas. Apesar da rasura poder ser, em tese, penalizada, a pena nunca pode ser aplicada pois não é possível identificar os autores. (Exceto no meu caso, que acabei de declarar publicamente que faço isso, sem qualquer medo e muito menos pudor.)

Outro gesto simples e ao qual muitas pessoas já aderiram (e que vou finalmente aderir este ano) é não votar. Entendemos que não votar deveria ser um direito de todos, e que há de se desconfiar das intenções dos políticos em manter a obrigatoriedade do voto. (Manipulação de massa?) Não falo em votar branco ou nulo, mas de não votar realmente. Nem vá à sua seção eleitoral. Passeie pela rua, vá ao bar beber, ou simplesmente fique em casa. Melhor: se possível, faça uma propaganda numa camisa (do tipo “Não vote. Conquiste mais esse direito”, ou o que você preferir, e impresso do jeito que você quiser, mesmo à mão) e passeie pela rua com ela quando próximo dos dias de votação. E, nos dias de votação, passeie com a camisa próximo a seções eleitorais, para que eleitores vejam. Se gostar de bebida, faça isso bebendo. (É ridiculamente uma infração beber em dia de eleição.) Se optar por agir conforme esta ideia, esteja preparado para sentir o peso da sanção social. O único problema é que pessoas que não votam pagam multa. É uma quantia muito pequena. Mas não estou querendo dizer simplesmente que não votar dá multa. Quero dizer que pessoas que decidem não votar acabam aceitando pagar a multa. Não deveriam. Para o Estado, está tudo certo que você não vote, desde que pague a multa. É como se você estivesse pagando por um serviço ou por um privilégio. Se quiser protestar, proteste de verdade: não pague a multa por não votar. E pode colocar na sua camisa “E não pague a multa. Não votar não é um serviço pago.”

Por fim, se você ainda não se alistou (no alistamento militar) e não quer servir, então sequer se aliste. Para as forças armadas, não convém fazer você servir se você demonstrar um perfil insubmisso. Eles te obrigam a se alistar para terem a chance de fazer você mudar de ideia, ou seja, para te induzir a servir. A mim mesmo, por exemplo, fizeram ir até o último dia. Havia escolhido a Vila Militar, no bairro de Marechal Hermes, que era próximo de casa. Quando se deram conta de que eu realmente não queria servir, me mudaram pra base do Galeão, na Ilha do Governador. Deve ter sido só pra me sacanear. Era acordado de manhã bem cedo pela minha mãe e levantado da cama à força pelo meu irmão, que é oficial do exército. E fui levado de carro até a Ilha. Minha mãe chegou a inventar obsessão espiritual pra me levar à força. Daí resolvi finalmente admitir que eu simplesmente não queria ir. Mas não adiantou, ela continuou insistindo que eu tinha que ir. Meu irmão defendia que eu deveria servir, que seria bom pra mim, pra que eu amadurecesse. Na época o argumento dele fazia sentido pra mim. Hoje vejo que o conceito que ele utilizava de maturidade é muito questionável. Maturidade não é arrumar a cama todos os dias e lavar e passar a própria roupa. Felizmente os oficiais do exército devem ter percebido que não iam me convencer e me liberaram. Por excesso do contingente, como diz o certificado de reservista, o que quer dizer que, em caso de guerra, ainda podem me convocar. Mas não vou pra guerra nem morto. E recomendo que não façam o que eu fiz. Se não quiser servir, não se aliste. E tampouco pague a multa por isso. Mesmo que ela seja somada a cada ano em que você não se alistar. Exija o perdão da dívida e a anistia, tanto pelo alistamento quanto pelo voto. Quem não se alista ou não vota não merece ser tratado como infrator. E, se você se alistou, fosse ou não por querer servir (que fique claro, em nenhum momento critiquei quem quisesse servir), não preencha, nas fichas de candidatura às vagas de emprego, o campo do número do certificado de reservista. Devemos ser selecionados por nossa qualificação profissional, não por sermos servos fiéis do Estado.

sábado, 22 de março de 2014

[129] Divulgação

Resolvi divulgar o caso nas ruas!
Panfleto de ação contra o constrangimento ilegal praticado por Igrejas neopentecostais

Já panfletei em dois dias. No primeiro foi mais difícil, mas no segundo dia já havia mais pessoas que pareceram se importar. Mais do que algum benefício pessoal, espero que isto sirva como trabalho de conscientização. E que se entenda que crenças pessoais jamais podem valer de desculpa para obrigar alguém a fazer o que não quer.
Diretório com os arquivos do panfleto:
https://googledrive.com/host/0BxJoFrrgnPw7WVZFdnBCVkR4alU/

quinta-feira, 13 de março de 2014

Construção e niilismo

Algumas palavras, como ‘moral’, ‘honra’, ‘cidadania’ e ‘dignidade’, apresentam um valor subjetivo muito mais explorado na linguagem do que seus significados. Este valor subjetivo é o que chamo de construto. Em outras palavras, há uma construção de valores sobre estes conceitos. Estas construções costumam ser usadas como retórica para enganar pessoas e controlá-las, impondo uma conduta a ser seguida.

Em alguns casos, a palavra chega a perder completamente seu significado, restando-lhe apenas o construto. É o caso da dignidade no trabalho. Dignidade quer dizer mérito e, no caso do trabalho, a ideia é convencer de que quem trabalha merece mais do que quem não trabalha. Porém, quando se fala em “trabalho digno,” do que o trabalho é digno? O que o trabalho merece? Simplesmente não faz sentido. Neste caso, a palavra ‘digno’ perdeu seu significado e restou só o construto, um valor que atribuímos ao trabalho mas que não sabemos dizer o que é, ou seja, é subjetivo.

Estas construções podem ser muito ruins à medida em que enganam as pessoas. O construto da honra já matou muitas pessoas em várias partes do mundo, seja por homicídio ou por suicídio. Muitos orientais já se mataram por desonra e muitos ocidentais já “limparam o próprio nome” “em nome da honra”. Também um cidadão nada mais é do que aquele que cumpre com as obrigações impostas pelo Estado, e nisto não vejo qualquer valor. Algumas normas devem ser seguidas, mas é melhor que se as siga por consciência do que por mera obrigação. E algumas obrigações só servem para exercer poder sobre pessoas. Também a palavra ‘consciência’ pode ser usada como construção, referindo-se à consciência moral coletiva, ou seja, saber o que é tido por certo e errado na sociedade em que se vive. Mas aqui eu a usei referindo-me a uma consciência pessoal do porquê de se seguir ou não uma dada norma, despindo-se completamente de qualquer construção para explicá-la. Esta consciência é pessoal no sentido da possibilidade de divergências.

São inúmeras as construções e até hoje são criadas mais e mais. Por exemplo, o neologismo do afrodescendente, que já rendeu tantas piadas e ainda é entendido por muitos como eufemismo. Mas não é eufemismo; é um neologismo para aditar valor à raça. Felizmente não deu certo aqui no Brasil, apesar de ter funcionado nos EUA. Mas o uso do termo ‘comunidade’ em substituição a ‘favela’ funcionou. Hoje veem-se pessoas encherem a boca para dizer “eu moro na comunidade”, demonstrando uma espécie de orgulho que jamais teriam ao dizer “eu moro na favela”. Mas ‘comunidade’ tem um sentido mais amplo, é qualquer grupo de pessoas que vivem em comum ou que têm características em comum; o certo mesmo é chamar de favela. E as pessoas acabam falando da “comunidade” como se fosse bom morar na favela. Há ainda o uso do termo ‘idoso’ em substituição a ‘velho’. A sociologia sempre os chamou de velhos, e assim os chama até hoje. O sufixo -oso aparece no português para indicar a presença de uma característica. Assim, pela composição da palavra, ‘idoso’ significa “que tem muita idade.” Mas o termo ‘velho’ nunca foi pejorativo. Muito pelo contrário, é bastante usado como sinal de respeito em muitas regiões do país: jovens chamam pai e avô de “meu velho.” Estas três construções, do afrodescendente, da comunidade e do idoso, surgiram para enfatizar direitos recentes destas três classes (negros, moradores de favela e velhos).

As religiões têm também seu papel político e usam construções e a fé das pessoas para regular a sua conduta. Uma das construções mais utilizadas pelas Igrejas ultimamente é a da família. As pessoas falam de um modelo original e cristão de família. Mas o modelo verdadeiramente original de família não possui construto: nada mais é do que uma coleção de consanguíneos. E não há nada de especialmente cristão nisso. As Igrejas também utilizam o construto do natural contra a homossexualidade, atribuindo uma moral ao natural, dizendo que a homossexualidade é errada por não ser natural. Mas, se assim é, não entendo por que os cristãos e até mesmo os membros dessas Igrejas ainda usam roupas; deveriam andar completamente despidos pelas ruas. E se manterem calados.

O niilismo é um pensamento, digo, uma corrente filosófica que rejeita todos os conceitos, todos os construtos, enfatizando sua artificialidade. Diz o niilista: Nihil est, nada existe. Todo conceito é criação do homem. Em algum ponto, o niilismo pode até parecer contraditório, já que mesmo os conceitos de ‘artifício’ e do ‘natural’ seriam também criação do homem, não sendo possível, muitas vezes, separá-los. Mas esta contradição é meramente aparente, já que o niilismo trata apenas da artificialidade de conceitos, incluindo o conceito de artificialidade. É inegável, porém, que a teoria niilista é, em algum grau e inevitavelmente, metalinguística, pois não há linguagem natural capaz de expressá-la. (Talvez sequer haja linguagem natural.)

O argumento niilista pode ser usado como retórica da mesma forma que a construção: ao rejeitar um conceito, negando sua existência e colocando-o como artifício, o argumento do oponente simplesmente perde o sentido. E, como quase toda a discussão é baseada em conceitos, o oponente quase sempre fica sem argumentos que não possam ser rebatidos (ou desconstruídos) pelo niilismo. Mas, apesar do potencial retórico do argumento niilista, é o niilismo que eu vejo como certo, capaz de conscientizar pessoas, principalmente no caso do niilismo moral. O niilismo moral é uma vertente do niilismo focada na desconstrução de conceitos morais. Segundo o niilismo moral, e conforme eu mesmo já disse, estes conceitos só servem para controlar as pessoas. Além do mais, todas estas construções são um entrave para o progresso político, social e, diria mais, para o econômico. Em outras palavras, vivemos numa sociedade subotimizada, que rejeita ideias e procedimentos melhores, mais próximos do ótimo, simplesmente porque tais ideias discordam de valores arraigados na mentalidade coletiva. Ou seja, as pessoas negam uma ideia por lhes parecer errada. Mesmo que esteja mais certa.

Empurra-empurra

Este artigo é continuação do artigo 129. Dia 20/02, fui ao Fórum, no Centro, para audiência preliminar marcada às 13:45. Faltava apenas uma semana para o carnaval, como se fosse esperado um efeito costumeiro de “amnésia de carnaval”. Fui ao quinto andar, onde ficava o cartório do 8º Juizado Especial Criminal. Completamente desabituado com o trânsito do Centro, cheguei atrasado. Mas, ao que pareceu, de nada teria valido chegar na hora: no mural, encontrei a pauta de audiências preliminares do dia; procurei por toda a pauta, mas não encontrei a audiência à qual eu deveria comparecer. Entrei na sala, falei da situação e entreguei o boletim de ocorrência (digo, a cópia rubricada). O funcionário foi verificar no sistema. Enquanto isto, reparei que havia no balcão de atendimento várias pilhas de impressos da Sociedade Bíblica do Brasil, desses que se distribuem nas ruas. Virei o verso de vários destes impressos e vi que alguns estavam carimbados no verso. Os que estavam carimbados tinham todos o mesmo carimbo. Era um carimbo da Igreja Cristã Betânia; contatos com um tal Pr. Sergio Ovidio. Funcionários do cartório chegaram a notar e comentar entre eles minha ação. Aqueles impressos eram um erro, não deveriam estar ali, num ambiente que se propõe laico. Mesmo que tivessem sido colocados por outra pessoa, os funcionários do cartório não deveriam deixar lá, deveriam recolhê-los. Resolvi então pegar um dos impressos carimbados para levar.

Anverso do impresso da SBBVerso do impresso da SBB, com carimbo da Igreja Cristã Betânia
Impresso da SBB (anverso e verso, respectivamente), com carimbo da Igreja Cristã Betânia no verso.

Passados alguns minutos, o funcionário voltou com o boletim de ocorrência, desta vez com um número anotado. Não sabia ainda ser aquele o número do processo. Ele me informou que a audiência havia acabado (houve audiência?) e que o processo já estava “indo para arquivamento”. Perguntei o que eu deveria fazer.

―Então… Acontece o seguinte: o processo já está indo para ser arquivado.

Anverso da cópia do termo circunstanciado com o número do processo anotadoVerso da cópia do termo circunstanciado
Cópia de Termo Circunstanciado (anverso e verso, respectivamente), com rubrica do escrivão dos dois lados e número do processo anotado no anverso.

Perguntei de novo o que eu faria e recebi a mesma resposta. Parecia evitar me dar qualquer tipo de direcionamento. Mas não me dei por logrado e fui até a defensoria pública que havia encontrado no caminho até o fórum. Ficava no 13º andar de uma galeria. Cheguei à recepção e apresentei minha situação. A recepcionista disse que precisava do número do processo, o que eu não soube responder. Pediu-me o registro de ocorrência; entreguei a ela. Ela reparou o número do processo anotado (foi quando eu soube o que era aquele número). Parênteses: enquanto esperava, vi dois seguranças trocarem de posto; e o que saía disse para o outro (uma mulher), em tom de brincadeira: “Deve estar procurando o Amarildo!” Sei do caso Amarildo, mas não sei a que exatamente esses seguranças se referiam. Passados alguns minutos, a recepcionista me entregou uma página impressa de consulta processual com um endereço anotado: Rua Sete de Setembro, nº 32. Disse para eu ir lá, que o defensor público para o meu caso lá estaria.

Fui ao endereço. O segurança que estava ali, depois de me ouvir, disse para eu ir ao 2º andar. Chegando lá, fui recepcionado e aguardei a presença do defensor público. Apareceu um rapaz chamando pelo meu nome. Não era um defensor mas, segundo ele próprio, um estagiário. Nos apresentamos e falamos sobre o caso. Ele era, ao mesmo tempo, impositivo e educado ao falar. Não considerei, todavia, muito intimidadora sua fala. Ele me disse que eu não deveria estar lá, pois era caso para o Ministério Público

―Seu caso não é caso para a defensoria pública, mas para o Ministério Público, porque é de interesse do Estado. Porquê de interesse do Estado? ― perguntou retoricamente ― Porque o Estado não quer que ninguém seja forçado a fazer o que não quer, não é mesmo?

Não demonstrei opinião, mas, de fato, achei aquilo um absurdo. Não acho possível que um estagiário na defensoria pública acredite numa falácia dessas. O Estado sempre teve a função, ou melhor, o objetivo de controlar a população, fosse direta ou indiretamente, através das mais sofisticadas técnicas de manipulação. Então é óbvio que o Estado sempre forçou as pessoas a fazerem o que não querem, mesmo que as fazendo acreditar que querem. E o estagiário só podia estar querendo me enganar. Ele chegou a chamar uma funcionária e conversamos a três, num diálogo que partia muito mais deles para mim. Disseram que o pessoal do cartório do 8º JECRIM (Juizado Especial Criminal) deveria ter me informado melhor a esse respeito. Comecei a falar do funcionário de lá que havia apenas me dito que o processo “estava indo para ser arquivado”, sem me dar mais informação, mas fui apostrofado pela funcionária que não me disse mais do que já havia dito, senão de forma mais extensa. Após ela falar, houve um “código” entre os dois, partindo do estagiário, de que eu “já ia acusar o homem do cartório”. (Muitas pessoas ainda acreditam que estes códigos de comunicação funcionam.) De todo modo, o estagiário já havia composto no computador a justificativa do meu atraso caso precisasse. E disse para eu voltar ao 5º andar do fórum, no Ministério Público do 8º JECRIM, e falar diretamente com um certo Hélio. Anotou as informações na folha da consulta processual

Folha da consulta processual, com anotações da recepcionista da defensoria e do estagiário
Folha da consulta processual com anotações da recepcionista da defensoria (endereço do prédio da defensoria) e do estagiário (Ministério Público do 8º JECRIM).

Retornei ao fórum. O tal corredor interno ficava atrás de uma das portas do corredor principal. Entrei. Havia um PM sentado a uma mesa para me atender. Perguntei pelo Ministério Público do 8º JECRIM. Perguntou-me se eu era a vítima; respondi que sim, e ele chamou o Hélio pelo ramal do telefone. Enquanto eu aguardava, ele conversava com outro PM do lado dele. Fez um sinal para ele: passou o polegar esquerdo na sobrancelha direita, ao que o outro respondeu, em voz baixa, “Sim, reparei.” Eu havia raspado a sobrancelha direita a 20 dias e, àquela altura, ela estava mais ou menos rala. Talvez me conhecessem ou tivessem associado a sobrancelha raspada a um elemento de contracultura.

Em algum momento, o Hélio apareceu. Tinha um temperamento semelhante ao do estagiário e já estava ciente do caso. Disse que um representante da Igreja havia aparecido e dito que eles (a Igreja) não ofereciam serviço de abrigo. Uma grande mentira: conheci um morador de rua que me dizia esperar ser levado a esse abrigo, e a mim mesmo já ofereceram para ir lá, tendo eu rejeitado e dito que um amigo, o tal morador de rua, queria ir. Hélio continuava:

―Por falta de indicação dos autores, o caso recebeu baixa para declínio, ― dizia ele, mostrando esta informação no impresso da consulta processual ― ou seja, retornou à polícia, já que esse trabalho cabe a ela. Depois que a polícia identificar quem fez isso com você, o caso volta ao Ministério Público. Se você puder identificá-los, encontrar alguém que os conheça, coisa assim, você deve retornar à 19ª Delegacia, onde você registrou ocorrência, para ajudar a polícia a identificar os autores.

Não fiquei muito satisfeito com a resposta, já que não havia percebido muita boa vontade por parte da polícia quando registrei a ocorrência. Mas não vejo muita opção. Talvez o melhor seja tornar o caso (ainda mais) público esperando a ajuda de alguém que possa identificar os autores, de preferência que tenha testemunhado o ocorrido, já que foi em público, em plena luz do dia.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

João Helio

Império romano. Fim de uma guerra. A tropa vitoriosa capturara o general inimigo. Mas havia uma punição ao general, uma demonstração de soberba perante a vitória. Pegaram uma corda. Uma extremidade foi amarrada a uma das pernas do general rendido. A outra extremidade foi amarrada a uma das patas traseiras de um cavalo. O general vitorioso montou no cavalo e partiu a galopar pela estrada. A estrada era de terra batida com algumas rochas espalhadas. O corpo do general rendido era arrastado por quilômetros e ralava na terra e nas pedras. Num ponto da estrada (se não me falha a memória, numa curva), a cabeça do general, precisamente a parte de trás acima da nuca, bate numa rocha, e o general morre.


Almoço em família. Mas só estávamos eu, meu avô e minha progenitora. Meu avô resolveu demonstrar sua indignação. As pessoas, extremamente moralistas, queriam que os assaltantes fossem condenados por homicídio doloso, quando tudo não passara de um acidente, um decurso do assalto. Baseavam-se na dor da mãe da vítima e na idade da vítima, pois viam o ocorrido como uma espécie de mal que se leva à criança, que a faz conhecer, removendo-lhe a ingenuidade. E isto faziam ignorando a sorte de males quotidianos que realmente tiram a ingenuidade das crianças e a que as pessoas não costumam dar importância. Havia ainda a notoriedade que a imprensa dava ao caso, maior até do que aos casos de abuso infantil, o que demonstrava uma preocupação maior com a morte do que com o sofrimento. Muitas pessoas chegavam ao ponto de desejar uma “justiça injusta”, queriam que os ditos assassinos fossem estuprados.

―Esse caso desse menino… Sinceramente, eu acho que um cara desses devia… — e expressava meu avô. Realmente não lembro o conceito de justiça que ele apresentou. E talvez ele sequer tenha tido a oportunidade de apresentá-lo, pois logo foi interrompido pela minha progenitora.

―Você não sabe, pai! Sabe-se lá o que esse indivíduo fez no passado! — Suas palavras soavam impetuosas, como quem soubesse o que dizia. Eram até certo modo agressivas.

Mal disse ela a última frase, e meus olhos se puseram sobre a terra, e viam um homem sendo arrastado a cavalo pela estrada.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Aromatizantes

O índice de obesidade tem aumentado no mundo todo e as pessoas se perguntam o porquê. “São os fast-foods”, dizem alguns numa resposta incompleta. “São as gorduras trans”, respondem outros, ignorando que, apesar de todos os males das gorduras transaturadas, estas não guardam mais quilocalorias do que as saturadas, logo não podem engordar mais. Muitos especialistas se lembram da compulsão alimentar, mas esquecem que esta não pode ser tomada como causa primária, afinal também ela há de ter uma causa. A razão por que as pessoas têm engordado são os aditivos químicos nos alimentos, em especial os aromatizantes.

Para entender bem isto, teorizemos os prazeres da alimentação. São três e aparecem numa ordem bem definida. O primeiro é o olfato. Ele nos indica quando estamos próximos a um alimento (“cheiro de comida”, mesmo quando não sabemos que comida é) e é responsável por abrir o apetite (“hummm… que cheirinho bom, deu até água na boca”). O segundo prazer é o paladar. Este nos indica se o que colocamos na boca é de fato comestível. Os sabores picante, azedo e, sobretudo, amargo costumam indicar algum tipo de veneno e, neste caso, tendemos a cuspir o que temos na boca, exceto pelo fato de que o homem aprendeu a apreciar estes sabores. O órgão responsável pelo paladar é a boca, não apenas a língua: temos papilas gustativas também nas gengivas e nas bochechas, de modo que temos naturalmente mais prazer ao espalhar a comida por toda a cavidade bucal, a despeito do que possa dizer a etiqueta. O paladar também alerta nosso organismo para iniciar a digestão. Por fim, o último prazer presente na alimentação é a saciedade, que ocorre no estômago (quando colocamos a mão sobre a barriga e pensamos “Nossa, como eu comi bem”). Ele nos alerta que já comemos o suficiente e não devemos comer mais.

Vemos que o primeiro e o último prazer têm funções bem adequadas e complementares: enquanto o olfato abre o apetite, a saciedade elimina todo o apetite aberto pelo olfato. O grande problema então de certos aditivos químicos, em particular dos aromatizantes (que provocam o olfato), é que estes abrem o apetite. Mais até do que saciam. Trata-se de uma estratégia comercial: com o apetite aberto pelo aroma, você se sente impulsionado a consumir o alimento e, uma vez que este não sacia todo o seu apetite, você tem vontade de comer mais, consumir mais, mesmo que já não precise. E eis a compulsão alimentar.

O leitor mesmo já deve ter tido a experiência de passar em frente a um fast-food como, por exemplo, o Subway. O Subway é aromatizado; não apenas os lanches, mas todo o ambiente. Aquele cheirinho de orégano, tomate e queijo é de dar fome, ou melhor, água na boca. Mas você não estava sentindo fome até passar em frente ao Subway. Outro exemplo é o famoso miojo (ou, mais corretamente, lámen). Este é conhecido por “encher na hora”, mas a fome volta pouco depois. Experimente então substituir o tempero pronto do lámen por um simples molho de tomate pronto (algumas marcas não contêm aromatizantes). A verdade é que não há muita diferença entre um lámen e um macarrão tradicional, afinal ambos são basicamente massa de sêmola de trigo. Mais até, um lámen não passa de um macarrão cozido na água junto com o tempero e servido na mesma água em que foi cozido (se você escoou a água, está comendo macarrão tradicional, não lámen).

E é assim que aromatizantes e outros aditivos químicos fazem as pessoas comerem demais. Não percebemos isto porque estamos acostumados a balancear nossa alimentação com base no apetite e na saciedade. Seguem as últimas dicas para uma alimentação mais saudável: 1) evite alimentos com aditivos químicos (exceto corantes naturais, conservantes, acidulantes, estabilizantes…); 2) prefira alimentos com mais sabor e que saciem mais a alimentos com mais aroma; 3) coma verduras e legumes regularmente; legumes saciam e verduras auxiliam a digestão, tornando-a mais proveitosa; 4) espalhe o alimento na boca para dar mais paladar; o paladar causa um alívio instantâneo da fome; mais paladar significa o fim mais cedo da fome; 5) coma devagar e descanse alguns minutos logo após a refeição; a ansiedade acelera a digestão, acarretando mau aproveitamento dos nutrientes e esvaziando o estômago mais rapidamente; 6) divida sua alimentação diária em várias refeições pequenas; quando o organismo recebe muita comida de uma vez, tende a trabalhar mais rápido para digerir tudo.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Ditadura e democracia para quem?

Muitas vezes, parece-me que os termos ditadura e democracia são empregados aleatoriamente ou com intenções de manipulação política. O nazismo, por exemplo, considerado por quase todos uma ditadura, foi escolhido pela maioria dos alemães. Houve votação e Hitler foi eleito. Não estou, em hipótese alguma, defendendo o nazismo. Afinal, houve holocausto, ultranacionalismo, preconceito, incluindo antissemitismo, racismo e xenofobia, violência, guerras. Mas não foi uma ditadura. No tempo da segunda guerra mundial, havia três polos políticos: EUA com o capitalismo, Alemanha com o nazismo e URSS com o socialismo. EUA precisava não apenas guerrear contra estes polos, mas combatê-los ideologicamente. Era preciso convencer a maior parte do mundo de que os outros dois sistemas políticos eram ruins. Então os EUA começaram a promulgar a ideia de que estes dois sistemas eram, na verdade, ditaduras e que os EUA estavam dispostos a levar, através da guerra, sua suposta democracia a estes países. Um argumento muito semelhante foi utilizado pelos EUA para dominar a América Latina, rica em recursos naturais, e é utilizado até hoje para dominar o Oriente Médio, rico em petróleo. A segunda guerra mundial acabou, o capitalismo venceu e a ideia de que o nazismo e o socialismo soviético eram ditaduras e que capitalismo é sinônimo de democracia se consolidou. Em geral, o rótulo de ditadura ou, ao menos, a preocupação dos EUA com uma suposta ditadura é dada apenas aos inimigos dos EUA. Um bom exemplo foi a ditadura militar brasileira. Ao meu ver, muito parecida com a cubana. Mas, enquanto Cuba recebia fortes críticas dos EUA, a ditadura no Brasil era raramente mencionada no exterior. Isto porque, enquanto Cuba se opunha ao capitalismo, o Brasil se mostrava aliado dos EUA.

Além disso, os EUA têm várias das características negativas associadas às ditaduras. Os norte-americanos eram extremamente racistas na época da segunda guerra e havia também certo antissemitismo herdado do cristianismo. O povo norte-americano é até hoje ufanista, com a bandeira e as cores dos EUA por todos os lados. O povo ainda tem preconceito religioso, em particular contra os muçulmanos. Há xenofobia contra os latino-americanos, principalmente mexicanos, e contra o povo do Oriente Médio muçulmano. O argumento que muitos norte-americanos dão contra os mexicanos é que estes estão tirando seus empregos, argumento muito semelhante ao que Hitler usava contra os judeus, com a diferença de que um mexicano tem muito mais dificuldade de conseguir um bom emprego nos EUA do que um judeu tinha na Alemanha pré-nazista. Os EUA não torturam em território nacional mas mandam seus militares para a guerra para torturar em território inimigo, conforme informações vazadas pela imprensa. As pessoas lembram das experiências feitas com judeus no holocausto mas ignoram as experiências com negros feitas por cientistas norte-americanos. Sem contar as bombas atômicas lançadas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.

Os EUA exportam cultura para todo o mundo, esforçando-se em tornar esta cultura uma necessidade para os estrangeiros, mas restringe a entrada de cultura estrangeira em seu território através de um rigoroso exame para os que tentam obter a cidadania norte-americana. Os EUA dizem guerrear contra o Oriente Médio para levar democracia a estes povos ditadores, mas são, na verdade, as ditaduras do Oriente Médio uma consequência das guerras: um governo tende a se tornar ditador durante uma guerra, pois as ditaduras são mais fortes nesta ocasião. E então o nazismo era tão democrático quanto os EUA ou os EUA são tão ditadores quanto Hitler.

Telepatia

Telepatia é transmissão de pensamento. Nosso corpo (na verdade, nosso corpo etéreo, ectoplasma, perispírito ou coisa semelhante) é dotado de canais de energia, digo, canais de entrada e saída (fluxo) de energia. Os indianos chamam estes canais de chakras. Na verdade, em cada canal circula tipos específicos de energia. O pensamento é uma forma de energia neste sentido, que pode guardar uma miríade de tipos de informação, o que inclui palavras, falas, imagens, sons, aromas e percepções extrassensoriais. Sendo assim, temos também canais de fluxo de pensamento. Estes canais podem ser de transmissão (saída) ou recepção (entrada) de pensamento.

O principal canal de fluxo de pensamento que temos é o frontal. Localiza-se entre as sobrancelhas, acima da raiz do nariz. Trata-se de um canal de fluxo bidirecional, i.e., transmissão e recepção de pensamento. Por isto nos costuma ser preferido, permitindo um diálogo telepático. Para que haja o diálogo, é preciso o alinhamento dos canais frontais dos indivíduos, o que se obtém olhando-se nos olhos um do outro.

Outro canal, pouco menos conhecido, é o da nuca. Este é apenas de recepção: não podemos transmitir um pensamento a alguém a partir da nuca. Um indivíduo pode transmitir um pensamento a outrem que lhe esteja de costas mirando sua nuca. Assim o pensamento é transmitido de sua fronte até a nuca do outro. Uma vez que a nuca pode só receber pensamento, temos a tendência, como que por instinto, a nos virarmos quando recebemos informação pela nuca, alinhando quase que imediatamente nossa fronte à fonte de origem da informação.

O terceiro canal, ainda menos conhecido, localiza-se nas têmporas. É pouquíssimo conhecido pois costuma estar fechado, sendo preciso abrí-lo para dele tirar proveito. O canal temporal também é um canal de recepção apenas. Diferente da nuca, não nos causa o instinto de nos virarmos. Todos estes canais, como, aliás, qualquer canal de energia, podem ser bloqueados quando desejado. Isto evita que a própria mente seja lida. Mas o pensamento é extremamente rápido e, geralmente, de nada adianta tentar bloquear o que já se pensou.

Separação ensino avaliação

Neste artigo, como em muitos outros, vou apresentar uma ideia para defender o meu lado. Desde a 8ª série do meu fundamental tenho muita dificuldade em frequentar aulas. Na verdade, a dificuldade parece aumentar progressivamente. Fico algum tempo frequentando as aulas até o momento em que me sinto extremamente cansado e passo a não frequentar mais as aulas durante algum tempo. Às vezes, chego a abandonar ou interromper algum curso. Já abandonei um curso de italiano pela embaixada da Itália no Brasil, abandonei um técnico em telecomunicações no CEFET, interrompi o 3º ano do ensino médio (e fiz EJA — Educação de Jovens e Adultos — no ano seguinte para recuperar) e, mais recentemente, abandonei o bacharelado em matemática na UERJ. Mas, modéstia à parte, a frequência não deveria me prejudicar, pois que sou autodidata. Por isto, apresento aqui uma ideia parecida com, porém melhor do que, a do ensino à distância.

Trata-se da separação ensino avaliação (como resolvi chamar). Afinal, para que serve (ou deveria servir) um diploma ou certificado? Para comprovar que você é apto a exercer determinada profissão ou, de modo mais geral, para lhe conferir alguma aptidão, não para certificar que você concluiu determinado curso. Às vezes, a profissão exige algum tipo de conhecimento prático (laboratório e didática, por exemplo) que necessita de presença, mas, mais frequentemente, o conhecimento exigido é puramente teórico. E, uma vez que o que importa é a qualificação profissional, a instituição de ensino deveria colocar como exigência para a colação de grau ou obtenção do diploma tão somente a boa classificação do aluno nas avaliações (incluindo as monografias, teses, dissertações, TCC’s…).

Quero dizer que, para o “aluno” colar grau, deve ser suficiente que ele seja avaliado em cada disciplina e que o resultado das avaliações seja satisfatório, sendo opcional a inscrição do aluno na aula (turma). Assim o aluno pode se inscrever numa turma para assistir às aulas e tentar aprender, ou pode se inscrever para fazer a avaliação na disciplina ou ambos. Apenas após fazer a avaliação, ele pode ser considerado aprovado ou reprovado na disciplina. Com isto, acaba a exigência de frequência mínima (75% atualmente). A exigência de que o aluno frequente as aulas mais parece ser uma tentativa frustrada de manter uma qualidade mínima de um sistema de ensino há muito falido. Em outras palavras, é como obrigar um aluno a assistir à aula para que ele aprenda alguma coisa, já que é esperado que ele não possa aprender o suficiente para se tornar um profissional bem qualificado.

Vejamos agora os pontos importantes da separação ensino avaliação:

  • A separação só seria aplicada inicialmente ao ensino superior. Não poderia ser aplicada ao ensino fundamental uma vez que a avaliação no fundamental precisa ser subjetiva (baseada na observação que o professor faz do aluno em aula). A separação ensino avaliação no ensino médio é um debate e pode ocorrer futuramente quando a “finalidade” do ensino médio for alterada. (Em alguns países, a separação ensino avaliação no ensino médio já poderia acontecer, visto que nos mesmos o ensino médio apresenta um foco diferente daqui no Brasil.)
  • A avaliação passa a ser preparada com foco unicamente na disciplina (ou seja, em saber se o inscrito tem as aptidões exigidas da disciplina), não com foco numa turma. Acaba assim o problema de um professor aplicar a uma turma uma avaliação mais “tranquila” (menos exigente) para uma turma aparentemente menos capaz de corresponder a certas exigências. Os alunos também deixam de fingir menos capacidade. Também acaba o problema menos comum de o professor, entusiasmado com poucos alunos mais capazes na turma, aplicar uma avaliação mais difícil, prejudicando a maioria na turma.
  • Podem alguns alunos achar que seriam prejudicados com o novo sistema, pois, mesmo que o professor ensinasse mal, a avaliação seria igualmente difícil. Numa situação destas, porém, o aluno não estaria prejudicado pelo sistema, mas pelo professor. O novo sistema, aliás, poderia resolver este problema: o mal desempenho do professor ficaria comprovado e ele poderia ser demitido. No caso em que houver omissão da matéria, i.e., em que o professor simplesmente deixar de ensinar, pode ele ser demitido por justa causa, mesmo em instituições públicas. E os alunos podem processar coletivamente o professor por danos.
  • Pelas razões dadas acima, a qualidade dos profissionais brasileiros aumentaria, incluindo a dos professores. Isto melhoraria a qualidade dos serviços, incluindo serviços públicos e o ensino no país.
  • Mesmo com a separação, algumas disciplinas ainda teriam espécies de aulas práticas obrigatórias nos casos em que a avaliação deve ser prática. Seria o caso, por exemplo, de aulas de laboratório (pois o aluno é avaliado a partir de seus relatórios de laboratório e, para fazer os relatórios, ele precisa executar os experimentos) e dos estágios de licenciatura (em que o aluno é avaliado pelo seu desempenho no ensino e sua crítica).
  • O cancelamento de disciplinas é um recurso que muitas instituições de ensino superior oferecem àqueles que já fizeram a disciplina ou uma disciplina equivalente num curso anterior. Com a separação ensino avaliação, a instituição pode acabar com o cancelamento de disciplinas, devendo o aluno fazer a avaliação da instituição para cada disciplina que quisesse “cancelar”. Uma das desvantagens do cancelamento de disciplinas é que a instituição não aceita fazer o cancelamento quando acredita que a disciplina que o aluno fez anteriormente foi de menor qualidade comparada com a da instituição atual. Com a separação ensino avaliação, o aluno pode simplesmente fazer a avaliação da instituição caso acredite corresponder às exigências da instituição, mesmo que sua formação anterior seja considerada mais “fraca”. À exceção, o cancelamento ainda poderia ser feito para aquelas disciplinas que exigem avaliação prática.
  • A separação ensino avaliação é conveniente aos autodidatas e àqueles que já obtiveram as aptidões exigidas para a disciplina de outra forma. Por exemplo, uma pessoa que tenha aprendido francês desde pequena com a família não precisa assistir às aulas de francês de sua licenciatura em letras português-francês. Mais ainda, isto permite que algumas pessoas terminem mais rapidamente seu curso, pois elas podem fazer a avaliação das disciplinas que já conhecem no mesmo semestre ou ano em que fazem aula e avaliação das disciplinas que precisam aprender, sem se preocupar com conflito de horário daquelas.
  • Alguns podem achar que haveria uma diminuição das vagas para professores. Mas isto não aconteceria, pois o número de autodidatas é pequeno e a maioria prefere aprender assistindo às aulas. Mesmo muitos autodidatas preferem assistir às aulas para confrontar diferentes fontes de informação ou para complementar seu conhecimento.
  • Para que a separação ensino avaliação funcione, ela deve constar em lei. Quero dizer, deve haver as mudanças necessárias para que ela aconteça (fim ou alteração de leis que a impedem, regulamentação específica e obrigatoriedade de instituições públicas e privadas de oferecerem este sistema).

129

[…]
019a.Delegacia de Policia
Rua Gal. Espírito Santo Cardoso, 208, Tijuca, RIO DE JANEIRO,
CEP: 20530-500, TEL.: 2332-1633

TERMO CIRCUNSTANCIADO Nº 019-07823/2013
Lei 9.099/95


Data/Hora Início do Registro: 05/11/2013 16:22 Final do Registro: 05/11/2013 16:34
Origem: Atendimento Balcão 01913/16818-5 Circunscrição: 019a.Delegacia de Policia
[…]

Ocorrências
Constrangimento Ilegal
Capitulação: ARTIGO 146 DO CPB
Motivo Presumido: Ignorado
Data e Hora do fato: 05/11/2013 10:00 e 05/11/2013 13:00 [sic]
Local: Rua CONDE DE BONFIM, 229 Bairro: TIJUCA Município: RIO DE JANEIRO-RJ

[…]

Declarações
Vítima - Constrangimento Ilegal
[nome da vítima, ou seja, meu nome completo] - Comunicante
QUE, no dia 03/11/2013, que é morador de rua e estava na Rua Carmela Dutra, sentado sobre um pedaço de papelão, quando se aproximaram duas pessoas, lhe ofereceram um pão com mortadela e passaram a fazer perguntas simples e começaram a falar sobre religião, porém o declarante sentiu que as pessoas falavam em um tom que o estava deprimindo, passando a não mais respondê-los. As duas pessoas que estavam com o declarante conversaram entre si e acharam que deveriam levar o declarante para a igreja, tendo relutado e foi arrastado para o interior de uma igreja, localizada na Rua Conde de Bonfim, nº 229, igreja esta denominada MARANATA. No interior da igreja passaram a sacudir a cabeça e o ombro do declarante, puxaram seus braços e assopraram fortemente em seus ouvidos, momentos após ao que relatou, um dos membros da dita igreja foi até onde estavam e disse que o declarante já estava melhor e que poderia deixar o local. E mais não disse nem lhe foi perguntado.
Autor - Constrangimento Ilegal
IGNORADO

Autor - Constrangimento Ilegal
IGNORADO


Dinâmica do Fato
Relata o comunicante que, no dia 03/11/2013, que é morador de rua e […trecho idêntico ao da declaração…] e que poderia deixar o local. Nesta UPAJ, o declarante foi cientificado que por se tratar de uma ação privada, tem o prazo de seis meses para ajuizar, no judiciário, uma ação através de um advogado ou defensoria pública.

[…]

Termo de Compromisso / Declaração
Assumo a obrigação e declaro estar ciente para comparecer ao 08º JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL - CAPITAL Juizado Especial Adj. Criminal situado a Avenida Erasmo Braga, 115, Centro, na data 20/02/2014 às 13:45:00 para Audiência Preliminar de acordo com o artigo 69 da lei 9099/95.

[…]
Protocolo nº: 101138-1019/2013 www.policiacivil.rj.gov.br”

Estava eu morando nas ruas do Rio há quase dois meses quando do fato acima, conforme declarado em termo circunstanciado, com a diferença de que eu disse ao escrivão que os autores “falavam num tom impositivo, que me fazia sentir reprimido”, não que estava me deprimindo. É claro que há muitos detalhes ausentes na declaração, pois que seriam supostamente irrelevantes ao registro da ocorrência. Mas, a esta altura, tampouco me parecem importar estes detalhes. Ainda assim, a estória continua, descartados os preconceitos sofridos ao longo dela.

No dia seguinte ao fato, procurei pela delegacia mais próxima, acreditando, leigo que sou, tratar-se de caso de denúncia. O policial que me atendeu me informou que não era caso de denúncia. Pelo que ele tinha entendido da estória, era caso de constrangimento ilegal e me recomendou procurar o Juizado Especial Cível para uma ação judicial, e me entregou um papel com endereço e número de telefone do 8º Juizado Especial Cível (R. Conde de Bonfim, 255/116, 3978–7150).

No juizado, ao entenderem que eu “não tinha residência fixa,” recomendaram que eu procurasse a defensoria pública mas, antes, retornasse à delegacia para registrar ocorrência, já que havia ficado claro que a ocorrência não havia sido registrada, e me deram um papel com o endereço do prédio da defensoria pública de Vila Isabel (R. Teodoro da Silva, 336).

Fui a segunda vez à delegacia, desta vez para registrar ocorrência. O escrivão me atendeu perguntando-me o que eu queria. Desta vez eu já sabia bem: registrar uma ocorrência de constrangimento ilegal. Contei em linhas gerais o que me havia ocorrido. O escrivão me perguntou quem me havia dito que aquilo se tratava de constrangimento ilegal, e contei-lhe da primeira vez que fui à delegacia e de quando fui ao juizado. Ele me disse que, ao parecer dele, aquilo não se tratava de constrangimento ilegal, e que “ia ver”. Então levantou-se da cadeira e foi até o outro lado da sala. De onde eu estava, separava-me dele por uma curta divisória. Ele começou a falar com outros policiais “em off”, como se eu não pudesse ouví-los.

— Ele está prestando atenção? — Olhou em minha direção enquanto eu fingia não notar.

— Não.

— Quem disse a ele que ele tinha um caso de constrangimento?

— Acho que fui eu.

— Pô, assim você prejudica o meu lado!

— Desculpa.

— Agora eu vou tentar enrolar lá.

Ele voltou com o que parecia ser uma espécie de vade-mécum de direito, e o abriu onde constava o artigo que definia constrangimento ilegal. Leu o artigo em voz alta para mim e tentou me apresentar uma interpretação desprovida de sentido, como que para me confundir, concluindo que, no parecer dele, meu caso não seria de constrangimento ilegal. Apontei para o fim do artigo e o li em voz alta, onde dizia algo como “… ou obrigar a fazer o que a lei proíbe ou não manda.” Ele tentou sutilmente aplicar o mesmo truque da interpretação sem sentido. Como se eu nada respondesse, ele se viu obrigado a registrar ocorrência. Pediu-me a identidade, que eu não portava, mas disse eu que sabia de cor meu CPF. Então um policial de colete atrás de mim, que eu não notara até então, interrompeu dizendo ao escrivão que, neste caso, era melhor que eu desse o nome completo e a data de nascimento, pois era “melhor para buscar no sistema”. Ao voltarem de outra sala, estavam atrás de mim e o policial de colete falou em off ao escrivão: “É, parece ser ele mesmo.” Quando o escrivão veio à minha frente, entendi do que se tratava: tinha em mãos uma cópia de minha identidade, o policial havia me comparado à foto da identidade. Além disto, não havia ficha criminal e, desta vez, o escrivão se viu realmente obrigado a registrar ocorrência.

Depois disto, fui até a defensoria pública em Vila Isabel. O prédio estava fechado. Havia um papel informando que não se podia entrar “trajando vestido curto, bermuda ou roupas muito curtas” (eu estava de bermuda; moralismo ridículo!). Numa plaquinha constava, para marcação de consulta, um endereço de e-mail e um número de telefone: 129. Na Tijuca, tentei ligar para o 129 de três orelhões, mas não consegui. Com dinheiro de doações, comprei um cartão telefônico. Por dois dias, liguei para o 129 de vários orelhões da Tijuca e de Vila Isabel. Nenhum crédito do cartão era consumido, já que o 129 é gratuito. Mesmo assim, apenas dos orelhões mais antigos eu conseguia ligar sem cartão. Não conseguia nunca me fazer ouvir. A cada ligação, uma voz diferente me atendia: “Alô, boa tarde, eu sou fulano, telefone da defensoria pública.” Apresentava minha causa mas, enquanto eu falava, a voz repetia como se não pudesse me ouvir: “Boa tarde, eu sou fulano, defensoria pública… Alô… Alô…” A defensoria pública estava sendo sabotada, fosse pela companhia telefônica, fosse pelo CRC da própria defensoria, ou ambos.

Fui novamente ao prédio da defensoria, desta vez aberto, com uma calça moletom doada. O segurança me parou, perguntando-me o que fazia ali. Expliquei-me e ele disse que eu deveria marcar consulta pelo 129. Expliquei minhas tentativas frustradas e ele apenas dizia para eu continuar tentando. Mais tarde, voltei ao prédio. “Você de novo!” A mesma conversa, porém mais longa. Um policial chegou a sair de uma sala para ver o que acontecia, mas acabou achando graça da situação. Tentei argumentar: “Será que vou ter que denunciar ao ministério público?!” Mas de nada adiantou. Talvez a única solução seja ir à sede da defensoria pública no Centro.

Karma: Uma ideia perigosa

A teoria de karma diz que tudo o que você faz reflete ou acumula para você mesmo futuramente. Esta ideia ganha destaque quanto à nossa má conduta e tem sido muito utilizada recentemente para explicar todo tipo de má sorte pessoal e tragédias naturais. Mas a ideia de karma é muito perigosa pela forma como tem sido propagada.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que menos da metade das mazelas do mundo podem ser karma. De fato, todo karma negativo é consequência de uma ação cruel no passado, a qual não pode ter sido karma. Isto já reduz os casos de karma a, no máximo, metade das mazelas do mundo. Alguns podem contra-argumentar com os casos de repetição: se, por exemplo, alguém manda matar outra pessoa, tanto o assassino quanto o mentor do homicídio recebem um karma. (O homicídio em si não costuma ser objeto de karma, mas a tortura que precede o homicídio.) Este é o exemplo mais comum que ouço, mas eu tenho um melhor: se 30 PMs torturam e matam um único pedreiro ou, ao menos, são cúmplices deste crime, cada um dos 30 PMs recebe um karma por isso. Mas estes casos de repetição tendem a se equilibrar com os de não-repetição, em que uma coleção de ações semelhantes geram um único karma. É o exemplo de um inquisidor que, em sua vida, queimou 30 pessoas em fogueiras. Este inquisidor não merece ser queimado 30 vezes, mas uma única vez, visto que as pessoas que ele queimou só foram queimadas uma única vez por ele.

Além disso, a maior parte das doenças e tragédias naturais não pode ser considerada karma. Se, nos dias de hoje, uma pessoa contrai HIV, é porque não se preveniu, e o mesmo acontece com quase todas as outras doenças. Também ondas gigantes e marés altas não podem ser karma por aterramentos feitos numa época em que não se conheciam as consequências futuras destes aterramentos. Tragédias naturais existem desde a era dos dinossauros e, se têm diminuído, é porque o homem aprendeu sozinho a se precaver delas. Isto confirma os casos de karma como bem menos da metade das mazelas do mundo.

E porquê seria errado propagar como karma tudo de ruim que acontece no mundo? Porque as pessoas acabam deixando de ajudar quem precisa com a desculpa de karma. Chegam até mesmo a agir contra a caridade. O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, diz “[…] estais todos na Terra para expiar; mas todos, sem exceção, deveis fazer todos os esforços para aliviar a expiação de vossos irmãos, segundo a lei de amor e caridade.” (Este trecho, aliás, é o final de uma seção que recomendo como complemento ao artigo.) Propagar a teoria de karma desta forma seria, pois, uma maneira de influenciar as pessoas a abandonarem a caridade. Mais ainda, sugerir a um indivíduo que os problemas deste são karma gera nele uma resignação forçada ou mesmo manipulada. Com isto, o indivíduo pode deixar de lutar por seus problemas, e o verdadeiro nome disto é conformismo, não resignação. Muitas igrejas utilizam a ideia de expiação para manipular seus fiéis, para que estes aceitem sua condição fruto de um sistema político, de forma muito semelhante a que outras igrejas utilizam a ideia de destino. Para os que se lembram de que o mundo tem melhorado e suas mazelas diminuído, é bom que se lembrem também de que isto se deve ao fato de muitas pessoas na história da humanidade terem se inconformado. Além disso, mesmo que a pessoa se “resigne” pela ideia de expiação, este ato de resignação não tem valor perante deus, visto que é falso, executado na esperança de uma recompensa futura ou de um atalho no processo evolutivo espiritual. Para ilustrar isto, termino o artigo com um conto. Não é um conto muito realista, visto que deus não precisa aplicar e não aplica testes para julgar um espírito, mas vale como ótima ilustração.

Um homem, tendo morrido, está agora diante do Juiz para ser julgado por sua conduta tomada ao longo da vida. Sua vida foi difícil, cheia de problemas e sofrimentos. Mas ele se resignou até a morte e sempre dizia a si mesmo: “Devo suportar tudo até o fim. Se assim o fizer, Deus me recompensará depois que eu morrer, conforme Ele mesmo prometeu.” Agora, perante o Juiz, ele pensava: “Agora receberei minhas recompensas pela minha resignação. Adiantarei algumas etapas de minha Senda espiritual, e minha nova vida será muito melhor”. Para surpresa do homem, não foram feitas perguntas nem houve concessão de defesa, apenas uma declaração do Juiz: “Você deverá retornar à Terra e passar novamente pelas mesmas provações.” O homem, inconformado, retrucou: “Como assim? Passei por todos estes sofrimentos pacientemente, sem questionar a Vontade de Deus e, agora, além de não receber minha recompensa, ainda terei de passar por tudo de novo?”. O Juiz, então, respondeu: “Minha declaração não foi verdadeiramente um julgamento, mas antes uma última prova de resignação. E, pelo que vejo, você não passou nela. Assim torno agora minha declaração meu julgamento: retorne à Terra e reviva suas provações”.

Alguns leitores podem ter percebido que escrevi, em algumas partes do artigo, a palavra “deus” com inicial minúscula referindo-se aparentemente ao deus cristão. E estes mesmos leitores podem afirmar, em suas compreensões, que eu estou errado ao fazê-lo. Nego que esteja errado e por várias razões. Primeiramente, não se trata de um erro gramatical, pois as normas da língua nada dizem sobre o uso de maiúscula na palavra “deus” (ou, ao menos, não deveriam fazê-lo, pois nada devem ter a ver com religião). A gramática apenas menciona o uso de iniciais maiúsculas em nomes próprios, mas, ao meu ver, o nome de deus não é “Deus”. Segundo, por deus muitas vezes me refiro ao deus ou união de deuses responsável pela criação do todo, independente do credo. Por fim, o cristianismo é que impôs esta norma, como respeito a deus. Mas eu não pertenço à religião cristã (aliás, a religião nenhuma) nem acho que seja desta forma que se demonstre respeito a um ente.

Invisibilidade

Muito diferente da ideia que passam os filmes e animações de hoje, a invisibilidade não é a não reflexão ou absorção de luz tornando o corpo invisível ao olhar direto (semelhante ao conceito físico óptico de transparência ou ao ar). Trata-se apenas da não percepção do corpo. Em outras palavras, dizer que uma pessoa ficou invisível quer dizer que ela ficou imperceptível, não transparente. Por exemplo, um indivíduo, tornando-se invisível, pode entrar numa sala em que haja pessoas conversando e fazer o que desejar sem ser notado. Se alguém na sala olhasse diretamente para ele, o veria. Mas ninguém olha para ele e, mesmo quando olha, o faz distraído, sem notar sua presença.

Muitas tradições ensinam alguma magia ou ritual de invisibilidade. Os ninjas costumam usá-la com frequência e O Grande Livro de S. Cypriano, da Biblioteca Nacional de Lisboa, ensina a usar a fava da invisibilidade, que era usada pelo próprio Cipriano. A preparação da fava, porém, exige um rito que inclui o enterro do crânio de um gato preto com a fava dentro. Seguindo um comportamento mais ortodoxo e respeitoso para com os animais, vou ensinar aqui o exercício da capa de invisibilidade. É um ritual muito antigo, presente em várias tradições, com algumas variações. Mas, é claro, terei que remover toda a sua ritualística e apresentá-lo aqui apenas como um exercício muito simples.

Primeiramente, entre em alfa. Se você não sabe entrar em alfa ou prefere se drogar para isso, não é problema meu. Talvez eu, um dia, escreva algo sobre os estágios de consciência, mas, por ora, existem vários sites e livros sobre o assunto. Uma vez em alfa, procure por uma capa preta em sua imaginação, quero dizer, simplesmente imagine-a. É uma capa preta com capuz. Pegue a capa. Vista-a. Vista o capuz. Agora você está invisível. Faça o que você quiser, como trocar as coisas de lugar, roubar, sei lá (não se esqueça de “acordar” para poder fazer as coisas). Para voltar a ficar visível, basta descer o capuz (não é preciso entrar em alfa novamente). A capa desaparecerá e, se você estiver na presença de outras pessoas, todas elas se surpreenderão com a sua presença.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Cativeiro: A verdadeira crueldade

Muito se fala de todo tipo de crueldade: violências, tortura e até abandono. Mas, ao meu ver, muito pior que tudo isto é o cativeiro. Uma pessoa que sofre violência ou tortura tende a reagir. Uma pessoa abandonada está livre apesar do desamparo. Mas uma pessoa em cativeiro está presa e não sabe como reagir para se libertar. Principalmente se o cativeiro for psicológico ou emocional. Pior do que o cativeiro físico, esta categoria inclui, como exemplo de modalidade, a chantagem. A pessoa é influenciada de várias formas a se manter aprisionada, não só fisicamente, mas também nas decisões a tomar. Vemos várias pessoas de nosso círculo social tentando tomar decisões por nós ou influenciar nossas decisões. Isto é uma tentativa de controle e de cativeiro psicológico (ficamos presos a essas decisões). Quando cedemos a essas forças externas, acabamos por nos sentir, mais cedo ou mais tarde, contrafeitos. (Às vezes, muito mais tarde, quando já não há correções possíveis. Que digam os mais velhos.)

Outro exemplo, que tem sido mais frequente, ocorre na relação pai/filho, principalmente na relação mãe/filho. Os pais tentam, às vezes, direcionar a vida dos filhos, tomando por eles decisões que só a eles cabem. Isto pode acontecer por diversas razões: sofomania dos pais, que acreditam saber o que é melhor para os filhos; frustração, que os faz estender os próprios sonhos aos filhos; e, mais recentemente, a síndrome do ninho vazio. Com as conquistas feministas, as mulheres passaram a trabalhar mais (muitas vezes em tempo integral) e fora de casa. Com isto, passaram a se dedicar menos aos filhos, não com relação às necessidades destes, mas presencialmente. Quando os filhos chegam à adolescência e iniciam o processo natural de desvínculo (vulgarmente chamado “desmame”), a mãe percebe que passou pouco tempo com eles e tenta desesperadamente corrigir isto, obstruindo o processo de desvínculo.

Outra situação comum de cativeiro é a de animais. Removendo o eufemismo presente na máxima “o cão é o melhor amigo do homem”, o fato é que o cão é o melhor escravo do homem. O homem domesticou o cão para que ele prestasse certos serviços, como segurança e caça, apenas por comida. (Duvido que você queira fazer só por comida tudo o que um cão faz!) Afinal, isto não está de acordo com a definição de escravo? E o dono do animal é assim chamado não em vão; ele não é amigo. A razão pela qual esta relação não é considerada uma escravidão é o vínculo afetivo que se acaba criando entre o dono e o animal mas que, como já dito, não passa de uma técnica aperfeiçoada de controle. E assim é com outras tantas espécies domésticas. Para piorar, surgiu o comércio de animais, que acabaram virando produto. Isto reforça uma imagem de escravidão animal e um aspecto de falsidade nas relações homem/animal. Este vínculo falso acarreta outros tipos de crueldade contra os animais, como o corte do rabo nos cães (para “apurar a raça”), a castração e a procriação forçada (em busca de novas raças), principalmente entre parentes (para fixar mais rapidamente as características desejadas da nova raça). E com o aumento dos casos de estresse por sobrecarga no trabalho (às vezes mal diagnosticados), os animais domésticos ganharam uma nova função: a de consoladores e apoio emocional. Um papel que reforça o aspecto emocional do cativeiro. Aqui, um cativeiro mútuo, já que o dono também se prende ao animal enquanto este seja um paliativo para um problema que, por um materialismo nocivo, não se busca resolver.

Vossos filhos não são vossos filhos
Gibran Khalil Gibran, O Profeta
Mais vale um pássaro na mão do que dois voando
Dito popular