sábado, 29 de junho de 2013

A quarta onda das religiões e o fim das religiões

As ideias apresentadas aqui se baseiam numa explicação de um amigo que assistiu a uma palestra sobre as teorias do filósofo alemão Martin Heidegger. O foco da palestra era o ser e o dasein, mas um dos temas abordados foi o das três ondas nas religiões. A primeira onda é aquela em que a religião é una com o Estado. Ela justifica leis e punições com seu conceito de bem e de mal e elege governantes como deuses ou escolhidos de deuses. Ela promove guerras como missão divina ao julgar o deus da nação inimiga como diabo. A primeira onda acontecia na antiguidade e na idade média.

Na segunda onda, começa a haver uma separação entre religião e Estado. Foi a época do iluminismo e da revolução francesa. A regra então era o ceticismo e o ateísmo, mormente para se opor à Igreja. Igreja à qual os governantes já não davam ouvidos quando tinham intenções políticas mais fortes. Surge o conceito de laicismo. Na terceira onda, a religião se torna pessoal. Cada um tem a sua, sem necessariamente seguir a "oficial". De fato, neste ponto, o Estado já não tem mais uma religião oficial.

Mas estas ondas não têm uma época certa. A mudança da primeira para a segunda fase é nacional. Quero dizer, ela depende de cada nação, de cada Estado. Por exemplo, em muitos países do oriente médio esta mudança ainda não aconteceu. As leis desses países é fortemente baseada no corão e nos preceitos islâmicos. O análogo ocorre em Israel com o judaísmo. Já a mudança da segunda para a terceira fase é pessoal. Muitos países do ocidente, como o Brasil, encontram-se na segunda fase, sendo que algumas pessoas nesses países se encontram na terceira, i.e., optam pela religião que querem, não pelo cristianismo ou pela religião dos pais (assim posto, religião pátria, por ser a religião do país ou dos pais).

Eis a teoria como me foi apresentada, mas eu acrescentaria a ela uma quarta onda: a onda da religião verdadeiramente pessoal ou o fim da religião. Na terceira onda, as religiões se tornam pessoais mas ainda recebem nome (cristianismo, espiritismo, islamismo, budismo…). Isto acontece porque a mente das pessoas ainda está aprisionada a escolher uma religião dentre as "disponíveis". Ouve-se as pessoas dizerem que escolheram a religião que as fazia se sentirem melhor, ou a que era mais adequada a elas. Elas ainda entendem a religião como um sorvete numa sorveteria: há um número limitado de opções e é preciso escolher uma, apenas uma. Ou ao menos uma de cada vez.

Na quarta onda, as pessoas se libertam deste tipo de rotulação e passam a entender a religião como um simples sistema de credos, sem dogmas e sem igreja. A igreja passa a existir apenas como "templo", ambiente físico para fins cerimoniais, não mais como instituição. As pessoas ainda realizariam e participariam de cerimônias conforme a própria vontade. E a variedade de crenças seria tão grande que se tornaria inviável nomeá-las. A forma mais adequada de se nomear um sistema de crenças de uma pessoa seria através do nome da pessoa: religião ou crença de fulano, de sicrano, beltrano… A religião seria verdadeiramente pessoal. Ou, para os que entendem que dogmas e igreja são inerentes às religiões, isto significaria o fim das religiões.

Não há religião superior à Verdade.
Helena Petrovna Blavatsky

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Derrubada a PEC 37

Nesta terça-feira (25), a câmara dos deputados derrubou a PEC (proposta de emenda constitucional) 37 por 430 votos contra 9 favoráveis e 2 abstenções. Queria ter escrito sobre ela aqui quando ainda estava em debate, mas não tive tempo. Se tivesse sido aprovada, a PEC 37 retiraria o poder de investigação criminal de órgãos como o MP (Ministério Público), deixando-o apenas a cargo das polícias civis e federal. O MP ainda teria o direito de denunciar e de acompanhar as investigações (o que de fato lhe compete) e poderia fazer investigações informais com objetivo administrativo (que, legalmente, não servem de nada).

Os que defendiam a PEC 37, incluindo seu autor, delegado de polícia, diziam que se tratava de uma redundância do que diz a constituição: a investigação é dever da polícia, não do MP. Mas muitos eram contra, pois ela acarretaria sobrecarga das polícias e concentração de poder. Diziam que a polícia poderia fraudar investigações, deixando políticos corruptos impunes. Mas, pelo que pude entender, este não era o problema primário. Caso a polícia fraudasse as investigações, ou cometesse qualquer crime, ainda poderia ser denunciada pelo MP. Mas quem investigaria a polícia? A própria polícia! Isto seria uma falha na legislação. Mesmo que a PEC 37 só limitasse o poder de investigação em CPIs, isto poderia favorecer políticos como, por exemplo, o autor da proposta.

Felizmente, com o apelo da população, surgiram algumas sugestões de aperfeiçoamento da PEC 37, até que esta foi derrubada pela câmara. E, de quebra, ainda aprovaram outro projeto que destina 25% dos royalties do petróleo à saúde. Antes ia tudo para a educação. E outros projetos serão votados. Ao que parece, tudo graças às vozes das ruas.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Minha experiência nas manifestações do Rio

Decidi, na noite desta quinta-feira (20), ir para a rua participar da manifestação no Rio junto com amigos. Fui de verde como combinado, mas não sei se fiz certo, pois não sou veramente nacionalista. Fomos primeiro para a Avenida Presidente Vargas. Não achei muito violento. Ficamos bastante tempo lá e enfrentamos algumas bombas de gás lacrimogênio. Recomendaram-me cheirar um pano com vinagre para amenizar o efeito do gás, mas não achei que surtiu muito efeito. Depois de muito tempo de um lado para o outro gritando exigências e pejoratividades contra o governador e o prefeito, decidimos tomar o rumo de volta para casa. Mas acabamos parando na Lapa para relaxar.

Ficamos um tempo no início da Rua Joaquim Silva, perto dos arcos. Até que bombas de gás começaram a cair ali sem motivo aparente (o confronto era do outro lado dos arcos). Saímos em direção à estação de metrô. Mas, no meio do caminho, decidi que deveria retornar e fazer resistência. Os outros continuaram seguindo ao metrô. Quando voltei, o clima já havia amenizado. Mas era por puco tempo. Aos poucos vinham os vândalos àquela rua, contra a vontade das pessoas que estavam lá, que reclamavam que aqueles estavam atraindo a polícia. Tentei evitar que eles entrassem. Cheguei a parar um que estava visivelmente sob efeito de droga e munido de um pau do tamanho dele. Alguém veio me ajudar e, na base do diálogo, convencemo-lo a largar aquele pedaço de pau.

Mas então veio alguém jogando munição (talvez fogos ou bombas) contra a polícia e fugindo desta. Era uma briga de cão e gato: ele atacava a polícia e recuava, e a polícia avançava em direção a ele jogando bombas de gás; ele então atacava novamente a polícia e recuava mais, e a polícia avançava mais ainda com mais bombas de gás. Parecia que o tempo havia mudado: a entrada da rua estava enevoada de gás lacrimogênio. Não sabia para onde fugir do gás. Os sintomas agora eram mais fortes: além dos olhos que eu tentava proteger e limpar com a camisa, eu também tossia e salivava, cuspia, andando com a cabeça baixa. Adentrei a rua até onde não havia gás. Vi o batalhão de choque chegar com escudos e máscaras de gás. Fiquei gritando para eles, da calçada: "Para quê isso?! Para quê?! Precisa disso?!" O gás havia nitidamente alterado meu humor. Estava mais animoso de fato (a ponto de exigir resposta dos policiais de máscaras). E assim continuaria até voltar para casa e me deitar. As outras pessoas também diziam "Para quê isso?! Aqui só tem morador!" Muita gente já havia se refugiado nas casas e bares. Eu continuei na rua.

Mais tarde chegaram mais vândalos fugindo da polícia, com a cabeça coberta, apenas os olhos à mostra. Imagino que alguns deles, apenas alguns, tivessem ligação com o tráfico. Em meio a eles vi um menino de rua de uns sete anos com o rosto coberto com lenço. Em frente à Escadaria Selarón. Os outros, quando o viram, riram e um deles disse "É o menor guerrilheiro!" Quando ouviram a polícia chegando, cada um foi para um lado: alguns subiram a escadaria (na qual estavam muitas outras pessoas), outros seguiram a Joaquim Silva e outros desceram a Manoel Carneiro. Dois PMs chegaram de moto. Desceram das motos e deram um tiro em direção à escadaria. Na melhor das hipóteses, era bala de borracha. As pessoas subiram correndo assustadas. Eu gritava "Que é isso?! A PM disparando contra a escadaria! Não tem ninguém aqui para filmar isso?!" Nessa hora passei a me arrepender de não ter levado câmera. Mas foi um só tiro. Depois os PMs me viram gritando, um falou ao outro e passaram a jogar bombas de gás. E foram embora. Um homem veio até mim reclamar de alguém que não quis abrigá-lo. Fiquei algum tempo na rua conversando sobre a ocasião e as possíveis soluções para aquele tipo de problema com algumas pessoas que começavam a se sentir mais seguras de saírem às ruas. Meu ânimo estava tão afetado pelos acontecimentos a ponto de eu dizer que a PM tinha dado um tiro de fuzil contra a escadaria (xD). A verdade é que eu não reparei na arma e não havia passado pela minha cabeça que o tiro poderia ser de bala de borracha. Depois subi a escadaria e vi as pessoas fumando (óbvio!), que me olharam com um sorriso extasiado característico.

Vendo que tudo parecia mais calmo, e já cansado de tudo aquilo, fui até o ponto de ônibus. Minha primeira intenção era pegar o 247, mas, depois de muito tempo esperando, fui para outro ponto. A empresa devia ter cancelado as viagens do 247 naquele horário por segurança. Enquanto esperava ônibus, partilhava experiências com outras pessoas e debatia sobre problemas e soluções relacionados. Vi passar uns tantos ônibus da PM e algumas viaturas do CORE. Pensei comigo se aquilo era realmente necessário. Parecia que havia alguns traficantes por ali, mas não me lembro de ter visto ninguém com revólver ou fuzil (exceto a polícia). Em momento nenhum me vi em risco real de vida. Um homem no ponto me contou que as câmeras de segurança haviam sido quebradas por vândalos. (Talvez ele quisesse dizer que esta era a razão da presença do CORE.)

Já no ônibus, via-se os policiais jogando bombas de gás contra ninguém. O gás entrava pela janela do ônibus e incomodava os passageiros (eu já sabia me proteger). Nisto alguns passageiros jovens provocaram merecidamente um policial que passava de moto ao lado do ônibus e que havia jogado uma bomba de gás. (Estranhamente o policial se sentiu fragilizado com a provocação.) Cheguei em casa xingando a PM. Não consegui dormir direito.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Violência × Vandalismo do privado × Vandalismo do público

Lendo as opiniões a respeito da violência e do vandalismo na internet, parece-me que muitas pessoas não sabem a diferença entre os dois. Sou contra a violência física, não quero nenhum tipo de guerra. Mas coisa bem diferente é o vandalismo. E, mesmo quando se trata de vandalismo, há o vandalismo do patrimônio público e o do privado. Também discordo do vandalismo do patrimônio privado. (Exceto em algumas ações necessárias de perseguição política.) Um cidadão inocente não merece ter seu carro queimado para satisfação de alguns manifestantes. As concessionárias também nada têm a ver com isso. Sei que alguns destes manifestantes entendem que estas ações são mormente simbólicas e poderiam promover a participação de outras pessoas (no caso, os donos dos carros queimados e das concessionárias) nas manifestações. Mas, assim como é direito de cada um protestar contra o quadro político atual, também o é o de não participar das manifestações. E atitudes como esta não incentivam a participação de ninguém, muito pelo contrário. Só o que ainda fez sentido foi a depredação dos ônibus caso se tenha entendido que o aumento da tarifa surgiu para gozo das empresas de transporte coletivo.

Sem contar os atos, diria, verdadeiramente criminosos como o saque a lojas. Obviamente a manifestação foi, por esta corja de protestantes, usada como pretexto para o roubo. Verdadeiros ladrões que aproveitaram a aglomeração pública para cometer seus crimes. Não sou deveras moralista; se um ladrão deste tipo rouba ou furta, o problema é da polícia, eu pouco me importo. Mas vivemos numa sociedade fortemente moralista, e devemos tê-lo em mente. Se roubos são cometidos durante os protestos, isto pode desmoralizá-lo e fazer com que autoridades se foquem por um momento neste problema para não cumprir nossas exigências. Mas, devo concordar, isto teria pouquíssimo efeito e provavelmente não viria a acontecer.

Por fim, há o vandalismo do patrimônio público. Este, sim, faz todo sentido. Mas não precisa ser usado sempre. Geralmente, é suficiente fazer pressão psicológica contra as autoridades. Mas, às vezes, isto não funciona. Políticos podem nos ignorar. E por muito tempo. Neste caso, devemos no fazer ouvir, gritar pelas mãos de modo que nossos gritos manchem paredes e sujem o chão e quebrem a mobília. Muitos perguntariam: "Mas e o valor histórico-cultural desses patrimônios?" Ora, o que é o valor histórico-cultural de um patrimônio público comparado aos nossos direitos? Estes valem muito mais. Além disso, são as autoridades que se responsabilizarão pela restauração destes patrimônios, o que quer dizer que teremos uma hora de certeza de que o dinheiro arrecadado com impostos serão bem gastos. Absurdo é ver "voluntários" na limpeza destas depredações. Estas pessoas estão se subjugando gratuitamente fazendo um papel que é do Estado. E estão desmoralizando uma forma de protesto que, por várias vezes, já se mostrou eficaz na história mundial. Mas, claro, não na brasileira.

Quero a dissolução da PMERJ

Aproveitando os protestos recentes no Brasil e, particularmente, no Rio de Janeiro, faço apologia aqui à dissolução da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Como bem sabemos, a PM foi instituída para fazer guerra. Guerra ao tráfico e, principalmente, ao poder paralelo. De fato, as intenções do governo ao usar a força da PM não é acabar com o tráfico, sendo isto apenas um pretexto moralista, mas garantir o poder do governo, a falsa ordem. Afinal, quando um não quer, dois não brigam.

A PM não tem aumentado a segurança, muito pelo contrário. Antes da "pacificação", a violência só havia aumentado. Além das vítimas do tráfico, surgiram vítimas do confronto entre traficantes e a PM. E, neste caso, não adianta querer culpar um ou outro. A culpa está dividida. E não adianta dizer que o tráfico acabou pois não é verdade. As bocas de fumo ainda existem e sequer se tornaram menos rastreáveis, apenas ignoradas.

Outro problema com relação à PM é que ela trata todos igualmente, mas num sentido negativo. Ela não distingue bandidos e cidadãos inocentes. Foi assim nos processos de pacificação, em que o risco à população sequer foi enfatizado pela imprensa, já que esta era a favor. É assim nos carnavais no morro, em que a PM atira contra a massa à procura de bandido, sem respeitar o direito da população ao entretenimento. É assim em áreas residenciais onde a PM faz operações que põe em risco a vida dos moradores (desta vez com críticas da imprensa). E foi assim na noite de segunda-feira em meio à manifestação. Policiais militares deram tiros de fuzil para o alto. E alguns tiros acertaram a população. Inclusive pessoas inocentes. Segundo a própria PM, ela foi acionada após atearem fogo em frente à porta da alerj, o que teria caracterizado um risco iminente. Detalhe: pelos vídeos filmados pela imprensa, não havia ninguém por perto que pudesse correr risco, e as luzes do prédio da alerj estavam apagadas.

Muito esforço se tem feito, desde anos atrás, para preparar e humanizar a PM. Mas, até que se obtenha resultados satisfatórios, muita gente inocente está sendo morta. É mais eficiente dissolver a PM e preparar a polícia civil. Os ex-PMs poderiam ser então integrados à polícia civil. Com risco de contaminação desta infelizmente. A polícia civil receberia assim um preparo adequado e aprenderia a discernir situações, utilizar a força conforme a situação (não o governo) exige. Além do mais, devemos tomar cuidado para que a PM não se torne uma ferramenta governamental de repressão de manifestações. Pois foi o que aconteceu nesta segunda-feira. E, enquanto este quadro não muda, "força" é um eufemismo para "violência".