sábado, 24 de agosto de 2013

Criança Esperança

Mais uma vez o Criança Esperança. As pessoas são motivadas a doarem dinheiro pelo bem de crianças e adolescentes marginalizados. Mas eu só tenho críticas com relação à campanha. A primeira delas é mais conceitual, mas traz discernimento, ajuda a entender mais claramente quando estamos de fato fazendo um bem a outrem. Trata-se do conceito de caridade. Definitivamente (e as religiões do mundo todo hão de convir com meu conceito), caridade não se faz com dinheiro. A caridade é sublime demais para se inclinar diante da lei do dinheiro. Se há dinheiro, ainda pode ser chamada de ajuda, mas não de caridade. Dar brinquedos a crianças, por exemplo, não é caridade. Dar afeto (sem cativeiro emocional), sim. Educar para o trabalho não é caridade. Educar para a vida, sim. Tampouco movimentos com objetivos sociais são caridade, mas antes aqueles voltados ao próximo. Aquele velho movimento em que cada pessoa que é ajudada deve ajudar a outras três (corrente do bem, se não me engano) tem caráter didático, logo não é caridade. Mas ajudar o próximo sem contá-lo e sem fazê-lo por um sentimento de débito, isto sim é caridade. Claro que muitas pessoas integradas ao projeto Criança Esperança são movidas por um sentimento genuíno, mas isto não torna o projeto genuinamente caridoso.

O verdadeiro objetivo do Criança Esperança é a integração de crianças e adolescentes marginalizados à sociedade. A preocupação então é socio-econômica, não diretamente com o próximo. Tanto é que a campanha só é voltada às crianças e aos adolescentes, que estão ainda em fase de formação psicológica e, portanto, são mais facilmente direcionáveis. Assim as intenções não são das mais humanas. E, visto este objetivo, a campanha não funciona. É claro que, se tomados os objetivos indiretos dela, ela funciona, sim. E as evidências são mostradas a cada ano. Por outro lado, mais jovens são marginalizados conforme os anos passam. Arrecadar dinheiro para sustentar e preparar esses jovens apenas reforça um sistema que é o responsável por esse quadro.

O erro do sistema está em valorar as necessidades de subsistência de um indivíduo. É isto o que dificulta a integração de alguns indivíduos à sociedade. Estas necessidades deveriam ser oferecidas gratuitamente à população, sem custos em nenhum estágio. Por exemplo, distribuição de cestas básicas (realmente básicas, que não satisfazem ninguém, mas tampouco deixam a pessoa morrer de fome literalmente), que não devem ser compradas pelo governo mas obtidas de plantações específicas para este fim, talvez mantida pelos mesmos que desejam usufruir deste benefício. Ou podem ser pagas com impostos arrecadados de agropecuárias, impostos estes que devem incidir diretamente no preço do produto (a ideia é que isto equivaleria a cobrar o alimento como imposto). Moradias de área mínima, sem conforto, sem privacidade total e sem impostos. Cota gratuita no consumo de água, calculada por número de moradores. Estas e outras medidas poderiam ser compensadas por aumentos ínfimos nos serviços pagos. A taxa do consumo de água, por exemplo, poderia aumentar infimamente para aqueles que consomem o excedente. As taxas relacionadas à moradia, na prática, já estariam compensadas pela especulação imobiliária, mas o ideal é que os valores de venda e aluguel caiam e os impostos sobre a moradia subam um pouco (não falo aqui como um especialista em tributação).

Alguns podem pensar que isto faria com que algumas pessoas "relaxassem" e passassem a trabalhar menos. Mas isto é um engano. Quantas pessoas trabalham apenas o mínimo para subsistência? Você agiria assim? As pessoas não querem apenas sobreviver, elas querem viver bem, mesmo que este conceito seja bastante subjetivo. Muitas vezes um marginalizado só se mantém marginalizado por falta de opção. É só se lembrar de casos famosos como o músico Seu Jorge e o "mendigo gato," hoje modelo. Uma medida como a apresentada aqui poderia incentivar essas pessoas à reintegração, que passariam a trabalhar para viver melhor. E, de quebra, poderia aumentar um pouco o PIB.


Recomendo também a leitura do artigo externo A hipocrisia do Criança Esperança, que questiona a campanha da Globo com base no fato de que o valor dos impostos sonegados pela empresa é maior que o arrecadado com a campanha. De um modo geral, o artigo critica, por meio de fatos, a sonegação de impostos por parte de grandes empresas. Por todas as razões apresentadas aqui é que eu não contribuo com o Criança Esperança, nem neste nem nos próximos anos.

Não estou defendendo nenhum sistema tributário. Apenas apresentei uma possível solução com base na preferência da maioria da população em manter um sistema tributário. A outra solução, naturalmente, seria acabar com todos os impostos e cada um cuidar de si (sem ignorar por completo o aspecto social de nossas vidas). Mas nem todos, inclusive eu mesmo, estão preparados para isto, até porque não convém ao governo nos preparar. Quando eu, ou melhor, todos nós nos sentirmos preparados para arcar com todos os nossos gastos (e tivermos serviços particulares de qualidade), é claro que vou preferir a não tributação, pois evitaria um gasto indevido do dinheiro público.

sábado, 3 de agosto de 2013

Aos policiais

Costumo ver os policiais como abelhas de uma colmeia ou formigas de um mesmo formigueiro, que sempre obedecem cegamente à rainha. A respeito, aliás, lembro-me de uma fábula sobre uma abelha que foi procurar emprego. Ao chegar na colmeia, ela pergunta sobre suas obrigações no trabalho.

―Você deve proteger a colmeia. Se algum bicho chegar perto, você deve ferroá-lo. Isto não o impede de atacar a colmeia, ainda mais se for um bicho grande. Mas as chances disso acontecer diminuem conforme mais abelhas o atacam.

―E o que eu ganho com isso?

―Logo depois da ferroada, você certamente vai morrer mas pelo menos terá defendido a colmeia. Depois disto, contratamos outra abelha para tomar seu posto.

―Tem algum seguro contra acidentes?

―Não pelas ferroadas, nem se você for atingida por um inimigo. Estes acidentes não são cobertos pelo seguro.

―E quais são os benefícios?

―Na verdade, não há benefícios… E então, vai querer o emprego?

―Sim.

Talvez esta fábula sirva bem para ilustrar o dilema dos policiais. Sabemos que existem bons e maus elementos na polícia. Mas os bons se enganam ao acreditarem piamente na hierarquia, mais do que nas próprias convicções. Melhor dizendo, quando a hierarquia, na corporação ou fora dela, se torna a maior convicção. Quando falo em hierarquia fora da corporação, refiro-me à subordinação ao governo. O policial deve ter em mente o próprio conceito de certo e errado, e se basear nele durante o trabalho.

Outra história que me remete é a de V de Vingança (os quadrinhos e o filme). A série se passa numa Inglaterra totalitarista. Dois dos personagens da trama são Eric Finch, chefe da Nova Scotland Yard e ministro de investigações, e seu parceiro Dominic Stone. Na história, eles são pessoas decentes e sem ambição que servem ao governo devido a um sentimento patriótico e por acreditarem na ideia de ordem que é propaganda do governo (Cabral e Paes à cabeça?). Até o momento em que descobrem as atrocidades cometidas por este governo e se lamentam por terem sido cúmplices durante tanto tempo.

Já soube uma vez de uma policial que foi promovida a delegada. Ela tentou corrigir certos problemas na delegacia, pequenas infrações por parte dos funcionários, até onde sei. Depois de pouco tempo, ela começou a receber ameaças anônimas e decidiu abrir mão do cargo. Na verdade, foi um medo irracional. O perigo é inerente à profissão e não há porquê um policial agir com base no medo. Se é pra ter medo, melhor abandonar a profissão. Quando um indivíduo escolhe ser policial, está ciente dos riscos envolvidos. É claro que não deve se arriscar desnecessariamente quando há uma segunda solução isenta de riscos. Mas tampouco deve temer agir como entende ser melhor.