terça-feira, 7 de abril de 2015

Apologia ao malandro

Hoje ouço muitas pessoas dizerem que malandro é um espírito involuído, porque é vagabundo, porque não gosta de trabalhar. Mas ainda há pessoas que, como que no espírito do séc. XIX, dizem “respeita malandro.” Naquela época, muitas pessoas gostavam do malandro, tinham afeição por ele, a ponto até mesmo de o sustentar. Algumas das atividades comuns do malandro incluíam a prostituição, o rufianismo, composição e performance musical, defesa pessoal e da comunidade, justiça social e organização de jogos de azar, como o jogo do bicho. Então é errado dizer que o malandro nunca fez nada em prol da sociedade. Se assim o fosse, ninguém o sustentaria. É fato também que prostituição é um serviço à sociedade, um entretenimento, ainda que neguem os mais hipócritas. E certos jogos de azar só são tidos por contravenção porque o Estado intenciona lucrar exclusivamente com estes, neste caso chamados loteria. Do contrário, o Estado só tornaria contravenção a fraude nos jogos de azar, não os jogos propriamente. E o jogo do bicho é o jogo de azar de preferência dos brasileiros, sendo o jogo ilícito mais difícil de extinguir aqui e para os quais muitas autoridades fazem vista grossa.

O Estado, porém, nos sécs. XIX e XX, não tinha interesse no malandro. A república, no seu início, desterrou os capoeiras para Fernando de Noronha como propaganda contra o extinto Império. Fábricas começavam a ser construídas aqui no Brasil, fábricas que interessavam ao Estado, e este precisava de operários. Muita propaganda foi feita, leis trabalhistas foram criadas e era preciso tirar os malandros das ruas e levá-los às fábricas. Era preciso destruir a figura do malandro, um sujeito que era tido como esperto por ganhar a vida sem trabalhar. Foi reforçada a imagem do vagabundo, um termo quase equivalente semanticamente ao do malandro, exceto pela pejoratividade.

A umbanda foi perseguida por muito tempo, dentre outras razões, porque os médiuns de umbanda incorporavam malandros e outros povos de rua. Terreiros de umbanda eram fechados pela polícia com a justificativa de flagrante de abuso da fé. Estes mesmos terreiros, porém, eram reabertos ou outros eram abertos em outros lugares. O Estado viu que não adiantava fechar os terreiros de umbanda e tentou influenciar a filosofia umbandista. E conseguiu. Apesar de os médiuns de umbanda, até hoje, incorporarem malandros, o umbandista hoje vê o malandro como um espírito involuído, materialista, que gosta de fumar, beber, fazer sexo e que não trabalha. Claro, muita gente fuma, bebe e faz sexo, e não é vista como errada por isso. O principal, então, que é visto como pior no malandro, é que ele não trabalha. Portanto, o pensamento do umbandista de hoje a respeito do malandro é uma influência política, que começou por volta do final do séc. XIX ou início do XX, e que está relacionada com o interesse do Estado em conseguir operários pras novas indústrias.

A figura do malandro como a conhecemos se extinguiu, tendo se fragmentado nas suas muitas facetas conforme seus hábitos: o proxeneta, o cafetão, o bicheiro, o sambista, o capoeira. Hoje são as Igrejas evangélicas que efetivamente abusam da fé. Estas, porém, não são acusadas deste modo pelo Estado ou, mais precisamente, pelo Ministério Público, porque favorecem os interesses do Estado, incentivando seus fiéis a trabalharem pra conseguir bastante dinheiro e doar parte desse dinheiro como dízimo às ditas Igrejas. É gente que trabalha. Conforme os interesses do Estado.


Como complemento, sugiro o artigo externo Malandro. Se quiser, também pode ler o artigo da Wikipédia sobre malandragem e ver como seus primeiros parágrafos (a tempo da publicação deste artigo) claramente tentam construir negativamente a figura do malandro, a exemplo, pondo a malandragem como “juridicamente definível como dolosa” e comparando várias vezes a malandragem com o jeitinho, que não eram discernidos moralmente no século passado. Merece um selo de ausência de imparcialidade.

Desta vez, fiz algum esforço e pesquisa para colocar fatos precisos e datas mais ou menos corretas. Porém, alguns dados, em particular datas, podem estar errados, mas acredito que tais erros (como nos meus artigos em geral) não prejudiquem a essência do artigo.
Acabo com o jogo do bicho na hora em que o senhor arranjar emprego para os milhares de paraibanos que ganham a vida como cambistas.
João Agripino, então governador do estado da Paraíba, em resposta à cobrança da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste em Recife de extinguir o jogo na Paraíba.

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